Em pouco menos de 24 horas, Portugal teve a visita de um papa. As
transmissões televisivas que acompanharam esta visita foram, cada qual, a meu
ver, identificadora de uma mesma ânsia comum: o desejo por ver e conhecer mais
e melhor, este tão falado “santo homem de paz”, “bispo vestido de branco”, o
Papa Francisco.
Apesar deste nosso mundo atual buscar retirar a
religiosidade ou mesmo minimizar o papel de Deus na sua história, ainda existe
uma vontade de encontrar-se homens e mulheres santos, ou pelo menos ainda,
anseia-se que é possível encontrar-se nos nossos tempos algum resquício de santidade…
Não me refiro só ao facto da terem sido canonizados dois
pastorinhos, ainda crianças, não mártires, às quais apareceu a Virgem Maria, e que
humildemente aceitaram o pedido desta, de oração e sacrifício por todo o mundo, num
tempo em que a primeira guerra mundial iniciava um século sangrento na história
da humanidade.
A questão aqui, não menos importante, que procuro também ressaltar, é que aquela figura
de branco, a quem chamamos Papa, motivou uma crescente onda de interesse, não
só por crentes ou aficionados, mas também por aqueles que se dizem ou que
demonstram seu ateísmo ou anti-clericalismo, ou qualquer outro anti que queira
colocar em sua opção religiosa de vida.
O que mais me impressionou nesta visita do Papa Francisco é
que a sua pessoa, à parte de ser autoridade da religião católica, é considerada
antes de mais, pela maioria dos que falam dele, como uma pessoa de paz e de concórdia, esteja aonde ele estiver
e seja para onde ele for.
O Papa Francisco não se incomoda com perguntas difíceis, nem
com questões políticas ou constrangedoras à própria Igreja católica, pois ele
mesmo, fazendo parte da mesma, assume para si mesmo, tanto os erros como os
seus acertos, mesmo que estes sejam menos divulgados, e assim, humildemente
abre espaço à comunicação para com todos.
Esta comunicação para com todos submete o Papa Francisco a uma
constante mira dos média em torno da sua figura pública, ao que ele corresponde
com gestos simples, sem mudar a sua rotina diária de pessoa do dia-a-dia, sem
qualquer vontade de se transformar em algo inatingível ou completamente
perfeito.
O Papa Francisco, aliás, assume para si mesmo, sempre uma
posição de extrema humildade que desconcerta e inquieta a todos.
Ontem, ao vê-lo diante de tantas autoridades políticas, a
sua posição foi sempre humilde, de cabeça baixa, com mãos sempre prontas a agradecer, e com um sorriso que
acompanha o seu olhar, sempre em direção a quem lhe vem ao encontro.
O Papa Francisco preocupa-se muito mais com quem se
aproxima, do que, pelo que ele é, ou o que representa.
E depois, foi notório, após estar com todas aquelas figuras
ilustres, com as quais esteve no início da sua visita a Portugal, o seu sorriso
e um renovar de forças aflorarem muito mais, quando, finalmente,
estava no meio da multidão anónima que aguardava por ele.
Para o anonimato dos pobres, doentes, pequenos e excluídos,
o seu olhar reluz muito mais fortemente.
Se estamos acostumados a ver os aplausos para os famosos e
os que têm posições ilustres, este Papa Francisco, assim de uma maneira
simples, reafirma o que ele valoriza, como o essencial, que devemos prestar
mais atenção às periferias da existência humana.
Estas periferias da existência humana, que os média esquecem,
que as autoridades políticas escondem, que até mesmo os grupos religiosos, por
vezes, não acolhem com a mesma dignidade.
Uma das caraterísticas dos três pastorinhos de Fátima, pelos
vários documentários que vi, nestes últimos dias, e outros artigos
bibliográficos, que li, na busca de pintar os seus retratos, como artista, é
que eles, historicamente, eram apenas e simples pastores, quase analfabetos,
sem qualquer motivo humano para serem escolhidos para algo “tão grande” como
Fátima.
Esse algo “tão grande” que para a mãe da Lúcia, um dos pastorinhos, foi
tão difícil aceitar como verdade tornou-se a "Fátima" que conhecemos nos nossos dias.
E ainda, nos nossos tempos, quantos relatos ainda
suscitam dúvidas acerca da autenticidade das “aparições” ou “visões”, ou seja lá o
que cada um julgue a respeito de “Fátima”...
Mas, o essencial, este “invisível aos olhos” não cabe, nem
nunca coube na mentalidade humana que procura razões e respostas para tudo.
"Fátima" interroga-nos porque as coisas divinas sempre interrogam a nossa humanidade quando buscamos materializar a fé em Deus.
Então, eis que o Papa Francisco, nos abre um caminho novo,
um caminho possível, que até há pouco tempo, julgava-se totalmente morto: o
caminho para a santidade.
O que mais me impressiona no Papa Francisco, e talvez, o que
mais sinto que anseia-se nele, é esta esperança de que se é possível, ainda nos nossos
tempos, de ser-se santo.
Não falo de uma santidade que vai para os altares ou que
seja canonizada pela igreja católica.
Penso que a humanidade anseia por encontrar pessoas santas
em seu proceder, humanamente santas, por assim dizer.
Não que sejam santas para fazerem milagres ou algo excecional.
Ser-se santo, apenas e só, nas pequenas coisas da vida
quotidiana. Sem grandes alardes, nem grandes complicações.
A santidade é possível nos pequenos passos e gestos do dia a dia.
Humanamente
é possível sermos santos, sem grandes complexos ou anseios de perfeição.
Julgo que o Papa Francisco surge-nos, como esta esperança,
para crentes e não crentes, de que é possível ser-se santo.
O Papa Francisco convida a todos, religiosos ou não, encorajando que é possível ser-se melhor, e este convite alcança também quem se considera ateu.
O mundo precisa de santos, não apenas para estarem nos altares das
igrejas, ou por se julgar que só nestes altares se encontram santos.
Francisco e Jacinta, nunca poderiam ter em vista, tamanho reconhecimento, quando em 1917, aceitaram os sacrifícios que lhe haviam de vir e os ofereceram pela conversão do mundo inteiro.
O que mais importa, atualmente, e assim como ocorreu em 1917, o que mais o mundo necessita e anseia é de santidade e de pessoas santas para encherem as nossas cidades de bem e de paz, de
compreensão e de respeito, de caridade e de ajuda mútua, de civismo e de
misericórdia, sem que necessariamente estejamos todos, a pensar de um mesmo
modo em termos religiosos.
O mundo precisa de santidade, e todo o mundo anseia que esta
santidade plena encha a terra da paz, uma verdadeira paz entre os povos nesta
terra comum que é o nosso planeta.
Por isso, o Papa Francisco, com os seus gestos,
interroga-nos, crentes ou não crentes, sobre o que realmente queremos fazer com
a nossa livre opção de vida nesta terra comum.
A santidade constrói-se assim, e é possível a partir deste
derrubar de tantos “muros”, que façamo-nos melhores, espiritualmente mais humanos
e mais crentes na bondade, simplesmente, pelo querer ser-se bom pois optar pelo
bem também faz parte da liberdade que nos foi conferida por Deus.
Ser-se bom, ou ser-se santo, faz parte desta ânsia que
temos, em tocarmos esta eternidade do bem que perdura e que é mais forte do que o
mal.
Só o bem é capaz de construir um espaço de paz para todos.
Só o bem, que
cada um faz, é que permite a evolução da sua humanidade e espiritualidade como seres
humanos, capazes de reescrever a história a partir da própria casa onde
habitamos para o mundo inteiro.
Obrigada, Papa Francisco!
Aqui deixo algumas palavras da sua homilia de hoje na missa em Fátima - Portugal, que julgo dizer melhor do que eu, toda esta ânsia de santidade que o mundo tanto necessita nos nossos tempos:
"Pois Ele criou-nos como uma esperança para os outros, uma esperança real e realizável segundo o estado de vida de cada um. Ao «pedir» e «exigir» o cumprimento dos nossos deveres de estado (carta da Irmã Lúcia, 28/II/1943), o Céu desencadeia aqui uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar. Não queiramos ser uma esperança abortada! A vida só pode sobreviver graças à generosidade de outra vida. «Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24): disse e fez o Senhor, que sempre nos precede. Quando passamos através dalguma cruz, Ele já passou antes. Assim, não subimos à cruz para encontrar Jesus; mas foi Ele que Se humilhou e desceu até à cruz para nos encontrar a nós e, em nós, vencer as trevas do mal e trazer-nos para a Luz."
(Trecho da homilia do Papa Francisco proferido na Santa Missa com o Rito da Canonização dos Beatos
Francisco Marto e Jacinta Marto no adro do santuário de Fátima, Portugal, a 13 de maio de 2017, consultada no site do Vaticano, cujo o link coloco abaixo e que recomendo a todos ler ao pormenor:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2017/documents/papa-francesco_20170513_omelia-pellegrinaggio-fatima.html )
Imagem da Pintura do Papa Francisco - carvão/lápis sobre papel - original de Gráccio Caetano
www.gracciocaetano.com